terça-feira, 25 de dezembro de 2007

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"Acendeu um cigarro e fumou apenas a metade; o vento encarregou-se de fumar o resto."

E eu tenho mesmo que gostar dessa cara porque ela é a minha cara?
Já ouvi que esse nariz, várias vezes até, sou eu. É, então, talvez, o retrato de minhas vivências: a poesia feia de meus amores imperfeitos.

Lestes tanto e tão pouco sabes, meu bem.

O cheiro de cigarro agarrava-se a seus dedos. E esse cheiro também era ela. Esse cheiro que invade suas narinas redondas, seu nariz largo demais (sem nunca deixar-lhe os dedos).

Sou artista, estrela de minha criação, "uma forma nebulosa feita de luz e sombra" que toma posse do sujo e do belo, que molda e mata. Sou qualquer coisa então no intermédio meu e do outro.

Está ela começando a gostar de suas mãos, dos dedos tortos que herdou da família Cavalheiro e das unhas vermelhas que ela mesma pintou; unhas vermelhas que são como que o transbordar de sua vaidade.

E vejo que tudo que é torto e estranho sou eu também. E gosto de mim mesma quando gosto do frio, quando meu cigarro deixa de ser um prazer fútil e passa a ser, na verdade, um ritual de minha solidão. Um ritual bom.

Ela gosta de si mesma quando objeto de sua própria reflexão.

E lhe dá imenso prazer a verdade de seus sentimentos, ao menos consigo mesma, e bem no fundo de si.
Sua dissimulação, em momentos de bem estar, é quase a prova de sua pureza.

Labirinto da paixão. Ingênua, deixa-se perder.

E joga, afobada, palavras no papel, como se essas, de alguma maneira, tirassem algo de si.

Por favor, leia as cartas que te escrevo.
Elas estão como que a flutuar em torno de nós, em torno da nossa história (história à qual ela se agarrava como que a provar razão pra tamanha loucura).

Minha dissimulação é o medo que tenho de enviá-las; mas aí elas estão, no meu nariz redondo (que é como o prenúncio de meu despeito), no cigarro (que fuma como que a mergulhar no outro de si), dedos tortos de unhas vermelhas (que são como força a saltar-lhe das extremidades).



Por Anita Petry

sábado, 22 de dezembro de 2007

Ouvi sobre uma francesa.


(escrito originalmente em abril de 2007, também sob o cheiro de gasolina e pipoca da cidade maravilhosa)
Ouvi sobre uma francesa. Me lembro que falava espanhol, mas, se não me engano, era francesa. Essa moça conheceu um brasileiro que perambulava pelo seu país, um brasileiro que se apaixonou por ela. E toda sua vida passada (meus tão intransponíveis obstáculos) não passou de lembrança bonita pra enriquecer sua história presente.
Conta-se que ele voltou pro Brasil, mas que seu coração continua
perambulando pelo país da moça, a moça que falava espanhol, mas que, se não me engano, era francesa. A moça pela qual o rapaz se apaixonou.
Isso eh realmente possível, meu deus?!
Conta-se, na verdade, muita coisa, muitas histórias diferentes e nunca, nenhuma, se parece com a minha. Nenhuma me parece possível.
A minha história, a minha sina, creio que seja mesmo preencher alguns espaços vazios, por um tempo determinado, viver paixões fugazes; verdadeiras, mas intermediárias.
E me dói tambémé verdade, unicamente dançar sobre a história das pessoas, levar só um pouco de música, só um pouquinho de cor, pois assim como entro, saio, rodopiando na ponta dos pés pra não deixar marcas, pra não machucar, pra não fazer alarde.

Mas que saco esse meu desejo incessante, infantil e fraco, de que apareça um homem pra me amar loucamente, um homem feito pra cuidar de mulher forte.

Talvez minhas tardes sejam pra sempre azuis, e não hajam assim tantos desejos.

Por Anita Petry

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Uma Pessoa Conquistável




(Esse texto foi escrito dia 16 de Abril enquanto me hospedava na casa da Mila, no Rio, numa suposta visita de apenas uma semana. É claro que a semana acabou virando um mês inteirinho maravilhoso que nos rendeu saudades imensas do que não foi vivido ainda e até planos de moradia definitiva!)

Fui ao supermercado e comprei só o essencial

[pois é verdade: a grana está curta].

Voltei pra casa e esperei os eletricistas instalarem o apartamento

[pois é verdade: onde absolutamente nada funciona, tudo (se deus quiser) entrará na normalidade].

A Mila foi pra faculdade e eu fui cozinhar o jantar. Tomei banho. Fumei um cigarro (que merda. eu sei) e fui a um CyberCafé estabelecer contato com o mundo, embora eu me sinta bem no centro dele.

Resolvi ir ao cinema. É, não tinha nada pra fazer e a Mila não sairia da faculdade até as 10 e 30.

Escolhido o filme, O CHEIRO DO RALO, e escolhido o cinema, a CASA DE CULTURA LAURA ALVIM, tratei de bater pernas pra chegar a tempo. Fácil, fácil.

Sensação de vitória; cheguei uma hora antes da sessão e meus conhecimentos sobre Ipanema não me decepcionaram.

Comprei o ingresso pagando meia entrada graças à bondade (ou ingenuidade) da moça que cedeu porque eu era de fora, apesar de não possuir o comprovante de frequência.

"Aqui no Rio, todo mundo tenta enganar a gente usando carteirinhas que não valem..." A minha, é claro, se encaixava na categoria da falcatrua citada.

Matando o tempo que faltava, caminhei um monte pela beira da praia silenciosa, tomando uma água de coco e... PÁ! Me apaixonei pela cidade.

Pessoas, turistas, varandas.

A cidade me conquistou.

"Como sou conquistável, meu deus!" eu pensava. Foi só eu me distrair que a cidade maravilhosa me beijou.

Não sei se foi só a cidade ou aquela Ipanema noturna.

Acho que foi o supermercado, a Mila na faculdade, o cheiro de alho do jantar, o disco do Caetano na barraca de coco, o calçadão, o cara ao lado falando francês, as varandas à beira-mar... Acho que foi o cinema que eu esperava pequena diante de tudo aquilo ou o medo desse mundo gigante paradoxalmente enredado na minha ânsia de abraçá-lo. Sozinha.


Por Anita Petry