
É noite na cidade-letreiro
e a idéia que construí dela,
unicamente a idéia, nada além da idéia
que construí de seus prédios, ratos, amantes, habitantes, imigrantes,
me faz uma companhia inenarrável.
Não, esse companheiro-idéia não existe nem um milímetro sequer para fora de minha cabeça, para fora de minha boca.
E nem poderia compreendê-lo qualquer outro alguém que não eu mesma.
“A poesia é barulho quando rumoreja ao sopro da leitura.” Estavas certo, Poeta.
Mas a poesia também é pulsação enquanto, sendo criada, altera o estado de meu peito,
acalma, abranda meu coração.
À poesia triste de meus amores falidos, derrotados, meus amores mal-amados, foi dado o poder, por vezes desacreditado, de botar-me feliz.
Ela é como um espelho meu, uma imagem do que me atormenta
e apesar de ter eu mesma a criado, ela é como um consolo, é como a existência de meu caos registrada em papel.
É como a existência de caos semelhante em meio apartado de minha alma, alheio à minha confusão, exclusiva e inteiramente minha,
tão minha, assim como eu mesma,
(as mãos que herdei de minha mãe, os cachos que herdei de meu pai, os olhos que não sei de quem vieram)
É como se essa confusão, tangente à sanidade, deixasse de ser exclusivamente minha.
E ao tornar-la parte do mundo exterior, inexoravelmente me agarro a ela, fazendo-a uma parte quase tolerável de mim, muito minha;
fazendo-a tão involuntária e intensamente Anita, assim como minha pele, carne e osso são partes de mim,
do esmalte vermelho que se agarra às minhas unhas, de meus órgãos em funcionamento duvidoso, do cheiro nos cabelos (as tais células mortas),
da tontura alcoólica, ou a ausência gritante, estranha dela,
assim como são parte de mim os amores fracassados que cismo em importunar, castigar em visagens encantadas.
Por Anita Petry