quinta-feira, 27 de setembro de 2007


Já passavam das 4h as manhã do dia 21 de agosto. O vôo rumo a uma nova experiência sairia em uma hora. Estava atrasada, como de costume. As malas no carro. A casa vazia. Me despedia do meu espaço... Um impulso quase inexplicável me fez colocar aquele livro na bolsa e partir. Poderia ter sido qualquer outro...
... Aquele livro... (suspiros)... Só viria a ser aberto duas semanas mais tarde, num dia de absoluta tristeza e agonizante sensação de solidão.
Tudo me pareceu familiar. Era como se fora eu a destinatária daquelas cartas, de tais palavras. Interagi com aquele livro (Cartas a um jovem poeta, de Rainer Maria Rilke) durante uma tarde bucólica no Central Park.
Não. Longe de mim qualquer pretensão ou predisposição para poeta, mas ali encontrei palavras e sentimentos em comum: vida, solidão, tristeza, amor...
Engraçado essa vida da gente. Engraçado como nossas respostas aparecem de repente. Engraçado como sentimentos tão assustadores são, na verdade, nossos grandes mestres. Lembro-me de ter escrito sobre isso, - sem muita segurança, confesso -, a um certo e importantíssimo alguém. Hoje, posso lhe dizer, era mesmo verdade...


"Aqui, tendo em redor de mim, uma possante região sobre a qual passam ventos vindos dos mares, bem sinto que nenhum homem pode responder às perguntas e aos sentimentos que têm vida própria no âmago do seu ser"... "O senhor é tão moço, tão aquém de todo começar, que lhe rogo com melhor posso, ter paciência com tudo o que há para resolver em seu coração e procurar amar as próprias perguntas como quartos fechados ou livros escritos num idioma estrangeiro. Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas, por que não as poderia viver. Pois trata-se precisamente de viver tudo.Viva por enquanto as perguntas. Talvez depois, aos poucos, sem que perceba, num dialongínquo, consiga viver a resposta"
...


“Que seria, com efeito, uma solidão que não tivesse grandeza? Há uma solidão só: é grande e difícil de se carregar. Quase todos, em certas horas, gostariam de trocá-la por uma comunhão qualquer, por mais barata e banal que fosse; por uma aparência de acordo insignificante com quem quer que seja; com a pessoa mais indigna. Mas talvez sejam essas, justamente, as horas que ela cresce, pois seu crescimento é doloroso como o de um menino, e triste como o começo das primaveras. Mas tudo isso não o deve desorientar. O que se torna preciso é no entanto isto: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo, não encontrar ninguém durante horas – eis o que se deve saber alcançar... Essa sua solidão há de dar-lhe, mesmo entre condições muito hostis, amparo e lar . E partindo dela, encontrarás todos os caminhos. Todos os seus desejos estão prontos a acompanhá-lo.

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Perigosas e más são apenas as tristezas que levamos por entre os homens para abafar a sua voz. Como as doenças tratadas superficialmente e à toa, elas apenas se escondem e, depois de leve pausa, interrompem muito mais terríveis. Juntam-se no fundo da alma e formam uma vida não vivida, repudiada, perdida, de que se pode até morrer. Se nos fosse possível ver além dos limites de nosso saber e um pouco além da obra de preparação de nossos pressentimentos, talvez suportássemos às nossas tristezas com maior confiança que as nossas alegrias. São, esses os momentos, em que algo de novo entra em nós, algo de ignoto: nossos sentimentos emudecem com embaraçosa timidez, tudo em nós recua, levanta-se um silêncio, e a novidade, que ninguém conhece, se ergue aí, calada, no meio.
Parece-me que todas as nossas tristezas são momentos de tensão que consideramos paralisias, porque já não ouvimos viver nossos sentimentos que se tornaram estranhos; porque estamos a sós com o estrangeiro que nos veio visitar; porque num relance todos sentimento habitual e familiar nos abandonou; porque nos encontramos no meio de uma transição onde não podemos permanecer. Eis porque a tristeza também passa: a novidade em nós, o acréscimo, entrou em nosso coração e penetrou o mais íntimo recanto. Nem está mais lá – já passou para o sangue. Não sabemos o que houve. Facilmente nos poderiam fazer crer que nada aconteceu. No entanto, ficamos transformados, como se transforma uma casa que entra um hóspede. Não podemos dizer quem veio. Talvez nunca venhamos a saber, mas muitos sinais fazem crer que é o futuro que entra em nós dessa maneira para se transformar em nós mesmos, muito antes de vir acontecer. Por isso é tão importante estar só e atento quando se está triste. O momento aparentemente anódino e imóvel que o futuro entra em nós, está muito mais próximo da vida do que aquele outro, sonoro e acidental, em que ele nos sobrevém como se chegasse de fora. Quanto mais estivermos silenciosos, pacientes e entregues à nossa mágoa, tanto mais profunda e imperturbável entra a novidade em nós, tanto melhor a conquistamos, tanto mais ela se tornará nosso destino e quando, num dia ulterior, vier a “acontecer” -- isso é, quando sair de nós ara chegar a outros – senti-la-emos familiar e próxima. Deve ser assim.”

Rainer Maria Rilke.
Por Cadija Tissiani

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